segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Dê embora.


  Ela amaldiçoou o próprio filho, muitas e muitas vezes. Arrependeu-se do aborto não cometido dezenas e dezenas de vezes e em inúmeras ocasiões. Furtou uma infância com amigos presentes e mantinha à risca os espancamentos com cinto.
  Boa parte das pessoas não assumem a própria violência. Existem leis que punem. Códigos legislativos e outros tantos divinos, mas as pessoas insistem em mascarar a própria violência. Alegam passionalidade ou fraqueza, ou merecimento por parte de quem recebeu a agressão. Omissão por comportamento canalha. Um nível sutil de corrupção. Toda ação gera uma reação e os dias respondem com ímpeto e fome. Apagam existências precárias, atropelam esses torturadores do pano branco. Carma ou Karma. A essa altura isso não importa muito. Não importa nada.
  O tempo não está sendo gentil com ela, que amaldiçoou o filho tantas e tantas vezes. Invocou males e desejou com força um final triste. O tempo a castiga vagarosamente, comendo um corpo gordo e flácido. Deteriorando  seu cérebro pouco a pouco. Existe certo valor em todas as faces da loucura. Mesmo que a face dela, mostre um desenho triste, existe um valor nessa loucura que é acompanhada de doença e derrota pessoal. Existe justiça no cosmos e o filho amaldiçoado, por mais que não deseje um fim triste para sua mãe, vai aproveitar, sem medo de parecer ruim, as ultimas cenas da queda. Afinal de contas ele irá se retirar e seguir. Quanto a sua maldição? Talvez virem amigos, talvez ele a destrua ou talvez ele simplesmente a enterre com aquela mulher louca que ficou tanto tempo sem existir que acabou perdendo o direito de residir num mundo material. Quem vai saber?

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