sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Casa de Madeira


 As vezes você acorda e é uma árvore. As memórias são pequenos corvos, bagunceiros, que voam  de forma confusa. Pequenas penas caem e viram novas árvores e então você entende que não existe presente. As raízes estão lá, firmes e fortes, podres e frágeis. Uma lâmina fria te atravessa. Pode ser um machado mas é a curva do ponteiro. A terra fofa te suporta, te acolhe, esmaga seus passos.
A queda deveria funcionar como algum tipo de alívio. Algumas partes suas são roubadas e viram coisas. Sempre vira outra coisa que em você formava um inteiro. Uma cadeira capenga onde uma velha irá contar histórias. Uma vara de pescar tosca, com cordinha e anzol, para não pescar nenhum peixe. Apenas conseguir sentir a correnteza. Os corvos não entendem o fracionamento e voam para longe. A lona da barraca tremula com o vento que anuncia a chuva. As vendas irão cair, mas é feriado. Angústias. Histórias. Previsões. Não é possível achar contrapontos. O silêncio interrompe tudo. Uma batida de carro, um gol na praça, o cigarro enrolado, a sede e o suor. A música conforta e a árvore vira carvão, mesa, placa. Vira farelo e esquecimento. E a lâmina fria das horas corta mais um pouco. O grito forma farpas. As folhas adornam o chão e outros pés cantam. O som de cada folha trás um sorriso. Roda de madeira não fura. Roda de madeira não fura. Roda de madeira não fura. Ela quebra. Aro de madeira. Quebra. Carroça de madeira. Quebra. Memórias de madeira. Quebra. Casa de madeira. Quebra.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Be Ko



  Estruturei os contos e acertei ideias gerais. Listei a possível ordem, arrumei possíveis títulos, eufórico fumei um cigarro e fui descansar com os tormentosos possíveis contos. Ainda não os escrevi, ou melhor dizendo, já os escrevi, preciso reeditar, reescrever ou simplesmente começar do zero. Histórias são coisas incontroláveis, são vermes, larvas. Elas mastigam pedaços da alma, açoitam neurônios, buscam a luz dos olhos alheios. A minha mão é um casulo tosco e afoito. Cada uma delas mora na cabeça até sair como um tigre pela floresta. Não importa sucesso, crítica, não importa a invisibilidade fabricada ou os amores cativados. Histórias são coisas selvagens e lindas. E nos devoram por dentro e por fora.

sábado, 31 de dezembro de 2016

um homem fala sozinho com sua varanda


Ainda não bateu a zero hora do dia 31 de dezembro de 2016. E que ano. Falar mesmo que de forma geral, não vai abarcar toda luta e movimento produzidos por esses 365 dias. Um ano de sobrevivência. Sobrevivência emocional, afetiva, física e financeira. Nunca mergulhei tanto em mim mesmo, nunca passei por tantos lutos e ódio. Andei a beira do vale da sombra. Olhei para o céu incansáveis vezes e na escuridão não me senti só. O peito pesou e os pés tinham ferragens. Caminhar foi uma escolha insana e quase sádica. Diante de todo caos o peito ainda segue aflito e maltratado. Olhei espelhos e quebrei espelhos e reflexos. Vivi uma vida. Morri tantas vezes quanto pude e ressuscitei uma vez mais. A música entorpeceu e salvou, a poesia esmoreceu e vagueia trêmula e frágil, os livros perderam densidade e ganharam alma. O amor se mostrou uma faca de três gumes. E toda vez que eu boiava no mar, pensava que em algum momento iria virar uma ilhota com um coqueiro bobo. As ideias quase não deram as caras, mas ouve um refinamento daquelas que insistiram em ficar. Dei asas a imaginação e criei novas entidades que não serão cultuadas por outros. Contei histórias pela metade e elas brigaram comigo e me mostraram que uma história precisa existir por inteiro. Não importa se em uma frase ou em trinta mil. Fui egoísta. Perdi a esperança e recuperei. Fumei com prazer e como um dependente. Ainda somos pó da mesma estrela. Que ano. Agora são seis da tarde e é um momento de oração. Olho para o céu mais uma vez e só desejo colocar as palavras, uma depois da outra até que só seja necessário um ponto final.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Dê embora.


  Ela amaldiçoou o próprio filho, muitas e muitas vezes. Arrependeu-se do aborto não cometido dezenas e dezenas de vezes e em inúmeras ocasiões. Furtou uma infância com amigos presentes e mantinha à risca os espancamentos com cinto.
  Boa parte das pessoas não assumem a própria violência. Existem leis que punem. Códigos legislativos e outros tantos divinos, mas as pessoas insistem em mascarar a própria violência. Alegam passionalidade ou fraqueza, ou merecimento por parte de quem recebeu a agressão. Omissão por comportamento canalha. Um nível sutil de corrupção. Toda ação gera uma reação e os dias respondem com ímpeto e fome. Apagam existências precárias, atropelam esses torturadores do pano branco. Carma ou Karma. A essa altura isso não importa muito. Não importa nada.
  O tempo não está sendo gentil com ela, que amaldiçoou o filho tantas e tantas vezes. Invocou males e desejou com força um final triste. O tempo a castiga vagarosamente, comendo um corpo gordo e flácido. Deteriorando  seu cérebro pouco a pouco. Existe certo valor em todas as faces da loucura. Mesmo que a face dela, mostre um desenho triste, existe um valor nessa loucura que é acompanhada de doença e derrota pessoal. Existe justiça no cosmos e o filho amaldiçoado, por mais que não deseje um fim triste para sua mãe, vai aproveitar, sem medo de parecer ruim, as ultimas cenas da queda. Afinal de contas ele irá se retirar e seguir. Quanto a sua maldição? Talvez virem amigos, talvez ele a destrua ou talvez ele simplesmente a enterre com aquela mulher louca que ficou tanto tempo sem existir que acabou perdendo o direito de residir num mundo material. Quem vai saber?

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

texto zero

 Existem histórias que desejam ser contadas. Elas precisam disso, precisam existir. Sem isso, elas não entram nos corações e cabeças das pessoas. Não move a fé necessária para que a história ganhe corpo e se torne algo maior. O primeiro deus nasceu nos sonhos de um esquizofrênico que apresentava um quadro de múltiplas personalidades. Era uma tribo de um corpo só e ele conseguiu fazer com que cada uma dessas personalidades acreditasse naquele deus que nada mais era que uma cabeça gigante flutuando. O nosso inconsciente tem tanta força. nós somos a matéria prima daquilo que dá vida aos sonhos, ideias, conceitos e pequenas observações. Somos seres mágicos.
 As Histórias sabem disso e insistem em nos assediar e acompanhar, insistem em gritar suas dores e todo seu amor a cada esquina e muitas vezes ignoramos e nos sentimos vazios sem perceber que desperdiçamos nossos passos entre 0 e 1. Contar uma história nem sempre é uma tarefa fácil e nem todas, ou quase todas são ignoradas,  surgindo assim uma verdade esculpida pelo martelo. As coisas soam incompletas porque sonhamos que são e assim movemos. Mas o que tem me incomodado bastante é que estamos indo numa direção de trevas. Remodelamos deus para que derrote nossos inimigos e nos traga prosperidade. Sonhamos com uma justiça mais violenta e recompensas maiores para os justos. Oramos em bolhas de concreto e alimentamos nosso ego. Cada vez mais inflados, nós andamos sobre um fio desencapado, nossas relações afetivas são rasas e nosso emocional está sendo redesenhado pela forma vil como nos relacionamos com os outros e com nós mesmos. O mundo sussurra suas condolências e avisos. E sonhamos com um mundo tecnológico e utópico.
Estamos virando canalhas. Em algum lugar do mundo, pais pedem para que possam matar suas filhas para evitar atrocidades maiores. Misericórdia é um pai matar uma filha em algum lugar do mundo. Em  outro lugar, um homem é autoridade máxima. Ele confisca os bens das pessoas promovendo uma troca de moeda. Não acontece a troca, ele deixa as pessoas à deriva. Deixa pessoas sem acesso, no sentido formal da sociedade, a itens básicos. Ele alega estar sendo sabotado. Aqui um antigo advogado de um organização criminosa, é nomeado ministro da justiça. Seguimos virando a página de forma canalha e servil. Ser vil. Cê viu?! Vi. Não sei como seguir ou como terminar esse texto. Não sei como seguir...

terça-feira, 29 de março de 2016

Pá,ré, sê. Pá, reze! Parece...


  Oi, boa noite. A moita nasce. Moira retumbante. Brada, brada, brada. Gira a ponta, a saia, a roda, a vida. Via que escarnece o sorvete. Via que o sangue corre. Via! Liberta a santidade contida. Não contida. Tudo embaralhado. São oito estações. Oito paradas. Certas. Quase... Paro, para, paro, para. Para nada. Comida. Gemido. Dormida. Abrigo. Afunda. Hora passa. Oito horas. Oito paradas. Engole. Café preto, ruim, quente. Tão ruim e doído. Corre. Canela treme, mão treme. São oito paradas. Bate cartão, reza. Chama Ogum. Chama Força! Chama o fim de semana. Vê um filme. Pensa ele, diluí ele. Masturba ele. Sonha ele. Rever. Odeia uns. Violenta mentalmente outros. Trepa, trepa, trepa. Lá parado. Buscando equilíbrio. Trema. Remela. Trepa. Kit Kat dois reais. Trepa. Não goza. Oitava parada. Escreve cento e quarenta caracteres. Precisa de menos, de nada. Um bigode. Oito livros por ano. Uma música qualquer vadiando na relva da mente. Não existem porões. Aclama, acalma, aguenta. Bate o ponto. Tira do saco. Requenta. Saboreia. Morre a cada dentada. Saboreia. Se benze. Agradece a deus. A Deus. Lava, leve. Lava. Vidro requentado, feijão cheiroso. Feijão esquecido. Fuma. Varejo. Fuma. Recortes de jornais. Barulho. Gente. Gente invisível. Tô vendo. O que se passa? Céu. Azul é desespero. Cinza é a normalidade da ausência de um céu vermelho. Seu fulano. Seu quem? Volta. Bate. O ponto, a bunda na cadeira. Mói a vista. Fode gostoso com ela. Fode, fode, fode. Com tato. Papel. Genocídio do verde é branco. Certezas inventadas. Os personagens interagem. Ele é tão blasé. Despenca. Horas, malditas horas. Absorto. Tudo sai direitinho. Tudo saí perfeitinho. Tudo saí e fica tudo muito vazio. Bate o ponto. Oito estações. Apenas mais oito estações.


  Escrevo cartas de amor enquanto ando pelas ruas. Madureira é tão triste. Imagino suas putas. Abandonadas, desoladas num mundo que julgam cruel. Mal sabem que aceitam pouco. Aceitar Madureira é como ser escravo. Ir por conta própria é ser suicida. Tem uma dinâmica perversa. É um bairro que deixou de ser mágico, esqueceu do seu subúrbio interior, virou uma ilha de concreto. Madureira transpira ruína e escombros recentes. Ruínas e escombros antigos são bonitos, mas os recentes são trágicos. E essa decadência que nunca chega, cria uma ansiedade perdida, uma esperança estigmatizada, um limbo que nem chega a ser fantasioso, é a forma do Nada.







                                                                     Transito amor assobiando cactos
                                                                      Prossigo amor, assoviando passos
                                                                     Insisto amor, que essa dureza é folclórica
                                                                     Que a mente dissipa tragédias
                                                                      Seleciona memórias...
                                                                      Escurece os rótulos, as rótulas.
                                                                      Cantarolo cartas de amor enquanto ando
                                                                      Preso na morte imprópria, é feito com lateral...
                                                                      Vida!

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

zurro




  Poderia enumerar nossos erros. Começo a escrever como quem parte de um ponto conhecido por todos. Tanto afoga. Mágoa mal resolvida e inspiração plástica. A fumaça do carvão, a bruma do amanhecer, o nevoeiro da tempestade, a chaminé da fábrica. Tanto pó de ferro mata. O peixe foge, afunda, transcende. A escola esmorece, a sala fica vazia, as crianças moribundas. A sombra da árvore emagrece, o câncer precipita, ambição é reprodução incessante. Fulgura nos ideais a fome. Janta! Adormece o tato, esguio, tato senil, aflito, tato dúctil, gostosamente falho. Erroneamente arrogante, serenamente bobo, magicamente inútil. Mente, mente, mente, mente. Basta, besta, bosta. Cana, canela, casa. Doa, dizem, drama. Fuga, fogo, fode. Garoa, grita, gosma. Hoje, haja, hora. Junta, jóia, janela. Lembra, lambe, louca. Mata, mete, morre. Nada, nunca, noite. Pesa, ponta, parti. Queima, queixa, quinto. Roa, rasga, ri. Silencia, santa, sirva. Tudo, toma, teu. Vai, ventania, verme. Xeque, xaxim, Xangô. Zíper, zinco, zodíaco. Um zurro. Um zurro. Um zurro...